domingo, março 22, 2009

ARBITRAGEM como instrumento de Solução Amigável de Conflitos

Jovi Barboza[1]

Considerações iniciais

UMA coisa é certa: ninguém passa a vida inteira sem precisar tomar um remédio ou procurar a Justiça para resolver alguma pendência! Ao menos para fazer o inventário pelo falecimento de algum parente, é necessário se buscar a justiça. E quem não já desistiu de procurar seus direitos porque as custas processuais são muito elevadas e porque o processo é demorado? Esta circunstância causa uma sensação estranha na pessoa, desconfigurando, assim, a relação custo-benefício, que é um “liame” entre o que se gasta em esforço para se conseguir o resultado e o próprio resultado.

A grande preocupação de quem tem alguma pendência judiciária é com relação ao tempo de resposta da tutela jurisdicional requerida. O volume de processos que tramita na Justiça é muito grande e, na realidade, ninguém sai ganhando com isto, pois cada um dos envolvidos tem um prejuízo especial: o autor do processo perde com a demora, pois o seu desejo é de que a tutela lhe seja entregue de imediato, o que não acontece; o réu tem o prejuízo emocional muito grande, pois, apesar de sentir que a demora no julgamento e a subseqüente possibilidade de recursos lhe favorece, ainda assim, passa a viver com uma eterna incerteza sobre o caso, pois jamais poderá ter a certeza de que ganhará a causa; os advogados envolvidos perdem com a demora no julgamento, pois o aumento no tempo de conduta do processo não aumenta proporcionalmente o volume dos honorários cobrados, o que, às vezes, causa uma sensação de que se está trabalhando “dobrado” pelo valor que recebeu, enquanto que, para as partes (autor e réu), a situação é o contrário: qualquer valor que tenha pago é muito elevado a considerar a demora na entrega da tutela.

Alguém poderá estar imaginando: bom, mas, pelo menos o Juiz (ou o Promotor, quando necessário) não terá prejuízo! É bem possível que isto seja verdade, pois, independentemente do tempo que demore para entregar a tutela jurisdicional requerida pelo autor do processo ou ganha pelo réu, os vencimentos do Juiz (e do Promotor) serão depositados mensalmente em sua conta, sem dúvidas. Mas, como o prejuízo de que tratamos aqui não é somente aquele relacionado com o aspecto financeiro, é bom que se repare que mesmo o Juiz, em alguns casos, não agüenta mais ver o processo em sua mesa e ainda assim não consegue por fim à demanda porque há um sem número de possibilidades com que o processo poderá ser movimentado pelas partes, sem que o Juiz possa estancar a movimentação. É que, qualquer documento que uma das partes apresentar ao Juízo, por força do princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa, deve o Juiz oferecer à apreciação da outra parte, para que fale sobre aquilo que foi dito pela outra parte. Deixar de observar esse princípio poderá ocasionar a nulidade do processo, prejudicando, assim, todo o trabalho.

Não são todos os processos que reclamam pela manifestação do Promotor, que é o fisco legis, isto é, o Fiscal da Lei, representando o Ministério Público. Mas, quando é preciso falar, obviamente, que sendo necessária a manifestação repetitiva sobre alguns aspectos do processo leva ao parquet a sensação desagradável de que já não deveria mais estar falando naquele processo. Enfim, ainda que não haja prejuízo financeiro, todo mundo que está envolvido com o processo pode ter que se render ao marasmo da Justiça brasileira. Até mesmo o Perito, quando é o caso, pode ser instado a prestar esclarecimentos sobre determinado laudo pericial, gastando, às vezes, mais tempo do que o necessário para o seu trabalho.

Enfim, o processo é muito demorado, por mais rápido que seja, sem contar que os valores gastos pelas partes é desproporcional, em determinados casos, àquilo que se busca na justiça: a tutela. É que, as custas não guardam proporção direta com os valores envolvidos e alguns processo passam a ter uma relação custo-benefício maior que outros. Isto tudo sem falar que algumas sentenças são verdadeiras peças deformadas, eivadas de atecnia e irresponsabilidade do julgador, que não pode sofrer nenhuma punição, ainda que cometa erros, pois o julgamento do Tribunal de Justiça, em sede de recurso, mesmo que modifique a sentença não lhe atribui nenhuma pena ou desonra. O julgamento perdura no mundo jurídico, apenas como uma decisão que foi modificada, sem que qualquer “mancha” seja assinalada no curriculum do magistrado.

Arbitragem como a grande alternativa

Assim, diante desse panorama negro e insolucionável em que se encontra o nosso Poder Judiciário brasileiro, não resta outra coisa a se dizer, senão afirmar categoricamente que, se alguém quer uma SOLUÇÃO RÁPIDA e EFICAZ, deve procurar fazer uso da Arbitragem. Não são todas as causas que podem ser julgadas pela Arbitragem, mas, mesmo assim, a gama que é oferecida pela Lei é muito vasta e deve ser considerada pelas partes.

Primeiramente, é preciso que entendamos o que é a arbitragem. Este instituto jurídico, que existia em nosso país, regulado pelo Código de Processo Civil, vivia em desuso porque quando o árbitro fazia um julgamento, necessitava que um Juiz “homologasse” a sentença, mais ou menos como acontece atualmente com os julgados dos Juizados Especiais, em que os chamados “juízes leigos” (na maioria, Advogados), são obrigados a submeter o julgamento ao crivo do Juiz togado para homologação. A Lei nº. 9.307, de 23 de setembro de 1996, modificou essa situação e trouxe para a Arbitragem uma característica marcante e das mais importantes: retirou a necessidade de homologação da sentença arbitral. Com isto, se uma demanda for resolvida pela arbitragem, estará definitivamente resolvida e o Juiz não poderá sequer questionar o que foi feito, pois o Juízo Arbitral tem este amparo legal, conforme determina o artigo 18, da Lei de Arbitragem.

A Arbitragem é, portanto, um instituto jurídico através do qual duas ou mais pessoas, que tenham capacidade civil para contratar, podem nomear árbitro (ou árbitros) para julgar a causa, desde que essa verse sobre direitos patrimoniais disponíveis.

Julgamento sem recurso

Imagine uma sentença da qual não se possa recorrer. A parte que perdeu é notificada para cumprimento e não pode fazer mais nada. Imagine agora que essa sentença seja proferida no prazo máximo de 6 meses! Pois é isto mesmo que a Lei de Arbitragem oferece a quem procura resolver seus conflitos de maneira amigável, isto é, sem procurar a Justiça!

O mesmo art. 18, da Lei, de que falamos linhas atrás, além de estabelecer que o “árbitro” é juiz de fato e de direito, impõe que a sentença proferida pelo árbitro, que também é denominada “laudo arbitral”, não estará sujeita a recurso e nem à homologação. Portanto, a sentença de um árbitro (ou tribunal arbitral) é mais importante do que a sentença proferida por um Juiz de Direito! É que a sentença proferida pelo Juiz tem sempre a possibilidade de recurso e na Arbitragem isto não ocorre. Não resta outra coisa a dizer, senão que, como a sentença do árbitro é definitiva, ela é mais importante do que a do juiz.

Além disso, o procedimento arbitral não é público, é particular. Ou seja, ninguém tem acesso ao processo, o que garante às partes toda a privacidade, pois somente elas e seus procuradores poderão ter acesso ao processo: a não ser que haja autorização das parte, nem o árbitro e nem o tribunal arbitral poderá divulgar o conteúdo do procedimento arbitral. A segurança é total para as partes, portanto.

O que pode ser julgado pela Arbitragem?

Certamente, diante de tantas vantagens que a Arbitragem oferece, é importante saber quais são as matérias que podem ser objeto de arbitragem. Como vimos, a Arbitragem é um procedimento através do qual duas ou mais pessoas, que tenham capacidade civil para contratar, podem nomear árbitro (ou tribunal arbitral) para julgar a causa, desde que essa verse sobre direitos patrimoniais disponíveis. Esses direitos são aqueles vinculados a contratos: compra e venda de bens móveis e imóveis, compra e venda de serviços, tais como serviços de profissionais liberais, escolares, contratos de locação, de editoração, de construção, de organização de festas, formaturas e outros. Enfim, um sem número de contratos pode ocasionar o uso da arbitragem como alternativa para solução de eventuais conflitos. Toda matéria contratual, isto é, qualquer litígio que surja no âmbito dos direitos patrimoniais disponíveis e que tenha como parte pessoas capazes de contratar, pode ser decidido pela Arbitragem. É bom que se repare que, esses casos não estão adstrito à manifestação do Representante do Ministério Público, o Promotor, o parquet, por isto mesmo são chamados “direitos disponíveis”, pois o Promotor só é obrigatoriamente intimado a se manifestar caso o direito não seja disponível, tal como nos casos de direito de família, esfera criminal e falências, por exemplo.

E no caso do direito do consumidor, é possível fazer uso da arbitragem? Sim, desde que alguns critérios sejam obedecidos, tais como, por exemplo, o consumidor não pode ser constrangido (obrigado) a aceitar a arbitragem, pois o art. 51, inciso VII, proíbe a determinação compulsória de arbitragem. Neste caso, é imprescindível que haja “ciência” do consumidor, no tocante à arbitragem. O contrato deverá dar destaque à cláusula compromissória e o consumidor deverá rubricá-la, ou haver um aditivo que comprove que o consumidor tinha ciência de que qualquer conflito seria encaminhado para um árbitro ou tribunal arbitral.

Quem pode ser árbitro?

Interessante observar que o Art. 13, da Lei de Arbitragem menciona claramente que “qualquer pessoa” que tenha capacidade civil e a confiança das partes pode ser árbitro ou fazer parte de um Tribunal Arbitral. Um procedimento conduzido por uma pessoa, apenas, será considerado “árbitro”. Se houver mais de uma pessoa, será considerado “tribunal”. Tribunal, portanto, é o nome que se dá para um conjunto de árbitros, que deverá ser, sempre, em número ímpar.

A Arbitragem pode ser ad hoc ou institucional. A primeira é aquela em que se nomeia qualquer pessoa da sociedade para ser árbitro. Se cada uma das partes nomear um árbitro de sua confiança, os dois se reúnem e nomeiam um terceiro, de forma a constituir um tribunal. A segunda, ou seja, a institucional, é aquela em que se escolhe uma “entidade”, como, por exemplo, o TACOM-Tribunal Arbitral de Maringá, para ser conduzido o procedimento arbitral. Qualquer uma das duas é válida, pois, como deixamos claro desde o início, o procedimento arbitral é uma forma “amigável” de solução do conflito, diferentemente do processo, através do qual as pessoas se “degladiam” no Poder Judiciário. Mas, se aconselha a escolha da arbitragem institucional porque as pessoas que conduzem o processo são especializadas, estão constantemente atualizadas e prezam pela técnica, além de obedecer, obrigatoriamente, a um código de ética da instituição.

O que é preciso fazer?

Para dar início a um procedimento arbitral, as partes podem tomar dois caminhos: (i) – dirigirem-se a uma instituição (TACOM, por exemplo) e lá assinarem o Compromisso Arbitral, que é o documento inicial da Arbitragem, no qual, além de narrarem o conflito, as partes nomearão o (s) árbitro (s) e estabelecerão as regras, segundo o Regulamento Interno da instituição; (ii) – se preferirem a arbitragem ad hoc, procuram uma pessoa de sua confiança, um amigo, contador, médico, advogado, pastor, padre, enfim, alguém em quem confie e nomeiam-no “árbitro” para o caso. Se a pessoa aceitar e for da confiança das duas partes, estará instituída a arbitragem, se for de uma parte só, a outra nomeará outro árbitro e os dois nomearão um terceiro, constituindo, assim, um tribunal arbitral.

Quando houver o desejo de instituição da arbitragem, as pessoas podem mencionar esse desejo no momento de firmarem o contrato. Assim, havendo qualquer conflito, o caso não será levado para o Poder Judiciário, pois será obrigatória a instituição da arbitragem. Isto é possível com a inclusão no contrato de uma cláusula especial, denominada cláusula compromissória, ou seja, as partes firmam um compromisso. Com esse compromisso, como um “casamento”, passam a ter que aceitar o procedimento arbitral para solução de qualquer conflito e não mais fazer uso do Poder Judiciário para aquele caso. Se uma das partes não aceitar, o Juiz estatal será chamado, apenas para obrigá-la a instituir a arbitragem, conforme havia sido compromissado no contrato, através da cláusula compromissória.

Conclusões

A Arbitragem é, sem dúvida, uma alternativa. Alternativa para quem deseja “fugir” do marasmo judicial. Além de resolver rapidamente seu “litígio”, pode “desafogar” o sistema judicial, pois diminuirá a quantidade de processos que tramitam pelas Varas Cíveis das diversas Comarcas do país. Se você deseja viver mais tranqüilo, com mais satisfação, “feliz da vida”, como diz a música cantada por Renato&Graciano, passe a fazer uso da Arbitragem, pois esta é, sem dúvida nenhuma, uma forma amigável de solução dos conflitos. E nada melhor do que resolvermos nossos problemas entre amigos, sem a “tensão” exagerada do processo e sem se submeter à postura de certos juízes que pensam que são Deus! Se bem que “pensam”, apenas, não agem como se fossem.

[1] Advogado, Mestre em Direito, Professor Universitário pela FCV-Faculdade Cidade Verde, FGV-Fundação Getúlio Vargas, pela TRECSON, Palestrante, Instrutor e Consultor pelo SEBRAE e pelo CRC-SP, autor das seguintes obras: A Roda da Vida, São Paulo : RCR Editora, 1995; Como Formar o Preço de Venda, Maringá : Projus, 2004; Dano Moral, o problema do quantum debeatur nas reparações por dano moral, Curitiba : Juruá, 2006; Do Plano Diretor, Maringá : Projus, 2007; e Arbitragem no Brasil – Solução amigável de conflitos, Maringá : Projus, 2009.

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